Se há algo que o livro do Apocalipse nos ensina, é que as
aparências enganam; que há mais do que os olhos podem ver e que as coisas nem
são como parecem ser. Quando um dos vinte e quatro anciãos diz a João para
contemplar o “Leão da tribo de Judá”, por exemplo, ele se volta e vê, apenas,
“de pé, um Cordeiro como tendo sido morto” (5.5-6). Em 2.9 nós lemos acerca
daqueles que “a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga
de Satanás” (ver também 3.9). O relato da “besta que emerge do mar” e a quem
foi dado “que pelejasse contra os santos e os vencesse” é, posteriormente,
descrita do ponto de vista privilegiado dos céus, e somente então ouvimos
acerca dos “vencedores da besta [e] da sua imagem”, os quais estão cantando não
o lamento dos mártires derrotados, mas o coro da vitória e o canto de triunfo
(13.7; 15.2-4).
A desconexão entre como as coisas aparentam ser e como elas
de fato são não é menos verdadeira no caso da carta de Jesus à igreja em
Sardes.
Sardes já foi descrita como “uma cidade com um passado áureo
e uma segurança posta no lugar errado”. Ela possuía uma fortaleza cercada de
três lados por uma imponente muralha, da qual se pensava ser tão impenetrável
que a expressão “capturar a acrópole de Sardes” se tornou uma metáfora para alcançar
o impossível. Contudo, a cidade afinal caiu nas mãos dos persas, graças ao
excesso de confiança e ao descuido de seus cidadãos, que deixaram de vigiá-la
para protegê-la de potenciais calamidades.
O âmago da repreensão de Jesus a essa igreja se encontra em
Apocalipse 3.1, em que ele diz: “Tens nome de que vives e estás morto”. Embora
a reputação de uma igreja na comunidade ao redor seja importante, nada é quando
comparada à avaliação daquele “que tem os sete Espíritos de Deus e as sete
estrelas” (3.1). Segundo o nosso Senhor, que sonda o coração e prova a mente
dos homens, a igreja em Sardes era muito mais saudável por fora do que por
dentro. A repreensão de Jesus aos fariseus vem à mente: “Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por
fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de
toda imundícia! Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas,
por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mateus 23.27-28).
Diferentemente de suas observações às outras igrejas, Jesus
não aponta nenhuma falta específica da parte dos crentes em Sardes. Não há
menção aos nicolaítas, aos balaamitas, à mulher chamada Jezabel ou a sinagogas
de Satanás. Em vez disso, a igreja ouve que “o resto” está “para morrer” e que
Cristo não tem “achado íntegras as [suas] obras na presença do meu Deus”
(Apocalipse 3.2).
Por mais irônico e contra-intuitivo que possa parecer à
primeira vista, a igreja geralmente é mais forte quando está diante de algum
desafio específico (seja doutrinário ou moral); e o oposto também é verdadeiro:
que a igreja está em gravíssimo perigo quando as águas estão mais calmas e
quando a viagem parece mais tranqüila. Se os cristãos em Sardes estivessem
enfrentando uma ameaça doutrinária específica como os efésios, então muito
provavelmente eles teriam “[posto] à prova os que a si mesmos se declaram
apóstolos e não são, e os [achado] mentirosos” (2.2). Ou, se estivessem
enfrentando um dilema moral concreto, eles, como os de Filadélfia,
provavelmente teriam usado a “pouca força” que tivessem para não negar o nome
de Jesus (3.8). Mas, quando a vida da igreja parece seguir seu caminho usual,
especialmente em uma cidade tida por impenetrável como Sardes, é muito fácil
parar de observar, parar de proteger e parar de ser vigilante em guardar a
igreja e o seu povo. Em uma palavra, quando os lobos se vestem de ovelhas e
Satanás parece um anjo de luz, de repente se torna muito tentador contentar-se
com celeiros maiores, mais programas e a reputação de ser uma testemunha
“vibrante” na comunidade. Em meio à fartura e num contexto de abundância, a
presunçosa afirmação à alma – “tens em depósito muitos bens para muitos anos;
descansa, come, bebe e regala-te” – pode ser ouvida em muitos salões de igreja.
Pode alguém negar que essa mesma tentação assola as igrejas
desta nação? Nós somos o grande homem do campus global, nossa “fortaleza” é tão
invencível como a cidadela de Sardes e nossas mega igrejas estão se
multiplicando quase tão rápido quanto nossos supermercados. Mas será a força
nossa maior fraqueza? Será que o perigo nos espreita por detrás de nossa
suposta segurança? Será que nossa reputação de “vida” não é senão um fino
verniz por trás do qual a morte esconde sua face?
Talvez o maior desafio da igreja ocidental não seja a franca
impiedade ou a perversão grosseira, mas sim um estado letárgico que nos faz
entorpecidos e sem vida. Talvez, em meio à nossa ambivalência e auto-satisfação,
nós tenhamos esquecido aquele que vem “como ladrão” na hora em que menos
esperarmos (3.3). Talvez precisemos parar de nos darmos tapinhas nas costas,
dizendo “Paz! Paz” quando não há paz, e começar a buscar ser como aquelas
“poucas pessoas” em Sardes “que não contaminaram as suas vestiduras”, que
andarão de branco junto com Jesus, “pois são dignas” (3.4).
Voltemos ao Evangelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário